Além da história da chegada da imagem, você vai ler sobre a criação da comunidade de São Luiz Gonzaga no bairro Industrial Americano, na década de 1970
Glaucon Durães
Luzias
Na primeira metade do século XX, era comum em Santa Luzia/MG, que as pessoas que moravam em regiões distantes da Igreja Matriz, levantassem cruzeiros no topo de morros, aos pés dos quais, celebravam, no dia 3 de maio, a tradicional festa de Santa Cruz, com missas, procissões, leilões, comidas tradicionais etc. Tempos depois, esses cruzeiros davam lugar construção de uma capelinha, que posteriormente, era ampliada.
Esse é o caso, no que se refere ao território da atual Paroquia Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, do nascimento das comunidades de fé de Nossa Senhora do Rosário, no quilombo de Pinhões, do Senhor Bom Jesus, no antigo povoado dos Pimentas, hoje, bairro Bom Jesus, e de Santo Antônio, no bairro Barreiro do Amaral. A referida prática atravessou o século, tendo dado origem também à igreja de Nossa Senhora Aparecida, no chamado alto da cascalheira, no bairro Presidente Kennedy.
Outra prática comum que levou ao nascimento de comunidades de fé, também no âmbito da Paróquia Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, diz respeito a devoções populares aos santos, que mobilizava as pessoas em torno de tríduos, novenas, rezas de terços, ofícios, fogueiras santas, Folia de Reis, missas campais etc. Esse é o caso do nascimento das comunidades de São Luiz Gonzaga, no bairro Industrial Americano, na década de 1970, e de São Sebastião, no bairro Adeodato, na década de 2000.
O bairro Industrial Americano é um empreendimento imobiliário da antiga Empresa Urbana de Terrenos e Construções Nogueira Fonte Boa, posteriormente nomeada como Jotta Nogueira, projetado sobre o território do antigo Sítio do Córrego do Tenente e Rocha, cuja planta foi aprovada à 19 de dezembro de 1953 pelo prefeito Raul Teixeira da Costa Sobrinho. O seu território, à época, fazia fronteira com o Bom Jesus, onde hoje está o bairro Colorado, com o terreno das Centrais Elétricas de Minas Gerais S.A (CEMIG) e com as propriedades rurais de Antônio de Carvalho, de Geraldino Rosa de Oliveira, de Leomidio dos Santos e de Sebastião Moreira.
O nome Sítio do Córrego do Tenente e Rocha, que vigorou de forma popular no bairro em questão até a década de 1990, se deve ao curso d’água denominado Córrego do Tenente (em referência ao Tenente do Exército Adelino de Andrade) que nasce no alto do bairro Adeodato, perpassa a parte baixa do bairro Industrial Americano e desagua no Rio das Velhas, nas imediações da Fazenda Santa Helena, próximo ao quilombo de Pinhões.
Já em relação ao nome Industrial Americano, trata-se de uma estratégia imobiliária que remete ao clima de industrialização de Minas Gerais e de Santa Luzia, durante a administração desenvolvimentista do governador Juscelino Kubitschek de Oliveira (PSD) e do prefeito Raul Teixeira da Costa Sobrinho (PSD). Foi nessa época, em Santa Luzia, a construção da Subestação da CEMIG, cuja rede de transmissão, denominada Salto Grande, passa pelo bairro Industrial Americano em sua porção central, e a construção dos Frigoríficos Minas Gerais S.A (Frimisa), em 1953, no terreno da antiga Fazenda Carreira Cumprida.
Em Santa Luzia, o projeto imobiliário, com lotes de 360 m², deu às ruas do bairro nomes de países americanos, como por exemplo, rua da Argentina, rua da Bolívia, rua do Chile, rua do Haiti, rua do México etc. A praça do bairro, prevista inicialmente para ser construída sobre a antiga represa entre a Alameda Marília de Dirceu e a Avenida do Brasil, onde hoje existe a UMEI Antônio Carlos Damião, se chamaria Praça das Três Américas.
Apesar de o projeto do bairro Industrial Americano ter sido aprovado no início da década de 1950, o seu povoamento só ocorreu de fato a partir das décadas seguintes, com um acentuado crescimento populacional, sem infraestrutura urbana, a partir da segunda metade da década de 1980, em razão das migrações de trabalhadores residentes em Belo Horizonte, para as periferias das cidades da Região Metropolitana.
Dessa forma, à época do Sítio do Córrego do Tenente e Rocha, moravam na região, 5 famílias. Dentre elas, se destaca a de Benedito Andrade, popularmente conhecido como Bené Zangão, casado com a Donà Zica, e residente na chamada Fazendinha do Jotta, isto é, na casa sede do sítio, localizada na esquina da Alameda Marília de Dirceu com a rua da Argentina.
Posteriormente, chegaram ao bairro, em torno de 30 famílias, vindas da zona rural e de comunidades quilombolas. Entre elas, a de Guilhermino, originária de Pinhões (Pinhão), de José Laurindo dos Santos, vinda do Mato do Tição (Matição), Raimundo Rufino, Raimundo Cornel, Marco de Celino e outras.
A devoção à São Luiz Gonzaga na então Freguesia de Santa Luzia, paróquia mãe da atual Paróquia Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, teve como importante marco a permissão do arcebispo de Belo Horizonte, Dom Antônio dos Santos Cabral, ao Vigário de Santa Luzia, padre José Tomás da Cunha, em 24 de abril de 1924, para a criação da Associação São Luiz de Gonzaga, para meninas.
Outro marco, foi a permissão concedida pelo Vigário Geral da Arquidiocese de Belo Horizonte, Monsenhor João Rodrigues de Oliveira, no dia 18 de junho de 1924, ao mesmo Vigário José Tomás da Cunha, para benzer uma imagem de São Luiz de Gonzaga, destinada ao culto público.
A imagem é uma peça de origem francesa, comercializada, naquele tempo, pela conhecida loja de artigos religiosos Casa Açucena, sediada no Rio de Janeiro. Dessa forma, a imagem foi adquiria pela Paróquia Santa Luzia na década de 1920 e doada à igreja do Industrial Americano no início da década de 1990.
Na década de 1970, época em que a igreja católica mais próxima do bairro Industrial Americano era a então capelinha do Senhor Bom Jesus, no bairro Bom Jesus, iniciou-se no Industrial Americano, por meio de Benedito Andrade, a devoção à São Luiz Gonzaga, padroeiro da juventude católica, dos estudantes e dos pacientes com AIDS.
Na mesma década, Benedito Andrade promoveu a primeira missa no bairro Industrial Americano, em ação de graças à São Luiz Gonzaga, em um terreno aplainado, sobre a já mencionada represa, entre a Alameda Marília de Dirceu e a Avenida do Brasil, de frente a sua residência, o casarão sede, denominado Fazendinha do Jotta. A missa festiva ocorreu de forma similar à primeira missa em ação de graças ao Senhor Bom Jesus, celebrada por ocasião do início da construção da capelinha do povoado dos Pimentas, na década de 1940. Arcos de bambu foram armados para o enfeite do local.
Em 1978, Benedito Andrade solicitou à imobiliária Jotta Nogueira a doação de um terreno do loteamento Industrial Americano para a construção de uma igreja dedicada ao santo italiano. No dia 30 de dezembro de 1982, a imobiliária assinou o termo de doação de um terreno de 500 m² para a Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio do pároco da Paróquia Santa Luzia, padre João Habian. Tratava-se dos lotes Nº 1 e Nº 2, da quadra 5, localizados na parte baixa do bairro, na esquina entre a Avenida Barão de Macaúbas (MG-020) e a rua do Canadá, com divisas para a propriedade rural de Leomidio dos Santos, em direção à Pinhões.
Passados cinco anos, sem que a igreja tivesse sido construída, devido às dificuldades socioeconômicas enfrentadas pela população local, em sua maioria operários, pedreiros, serventes, donas de casa, lavadeiras de roupa e biscateiros, o terreno voltou a posse da imobiliária, conforme previa o termo de doação.
Após o falecimento do Benedito de Andrade, outro morador do bairro, Milton Lucas da Conceição, popularmente conhecido como Miltão de Aleluia, requereu, novamente, a imobiliária Jotta Nogueira, terreno para a construção de uma capela, que segundo o desejo dos moradores, seria, agora, dedicada à São Sebastião. Em memória aos esforços e devoção de Benedito Andrade, o padre João Habian manteve como padroeiro São Luiz Gonzaga. Cabe ressaltar que a devoção do Milton Lucas da Conceição à São Sebastião foi incorporada pela Igreja do Senhor Bom Jesus, a qual realizava tríduos para o santo mártir, na década de 1990, até a ocasião em que foi construída a Igreja de São Sebastião, no bairro Adeodato, onde Milton reside há décadas.
O novo terreno, destinado à construção do templo religioso, no Industrial Americano, foi o chamado Largo da Prata, no alto da rua do Haiti, esquina com a rua do Chile, no ponto em que ambas as vias se encontram com a Avenida Salto Grande. Tratava-se de um terreno público, no formato triangular, em uma região estratégica do bairro, tanto devido a sua centralidade, quanto a sua altitude.
Dessa forma, a escolha do local de edificação da Igreja de São Luiz Gonzaga seguiu a lógica de construção de templos religiosos no topo de morros, comum ao nascimento das cidades de Minas Gerais, como é o caso da Igreja Matriz e da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Santa Luzia, no período colonial, bem como posteriormente, das já mencionadas, Igreja do Senhor Bom Jesus, Igreja de Nossa Senhora Aparecida e Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
A construção da Igreja de São Luiz Gonzaga teve início em 1988. Porém, devido, novamente, as dificuldades econômicas dos moradores locais, a sua edificação se estendeu até o início dos anos 2000. Durante a construç , destacam-se os esforços de Francisco, operário aposentado da CEMIG que,junto com a sua esposa, mobilizou a comunidade para a aquisição de material de construção e de mão de obra. Uma das atividades de mobilização foi uma festa, realizada em sua residência, à rua da Argentina, esquina com a rua da Bolívia, em que os antigos moradores Luiz Ciriaco dos Santos e o seu filho, Luiz Agapito dos Santos apresentaram ao público a histórica imagem de São Luiz Gonzaga, recém escolhida para padroeiro do Industrial Americano.
As famílias de Zé de Marco, casado com dona Nenega, e de Waldir, casado com dona Zélia e dono da mercearia Varejão São Luiz, ajudaram a difundir a devoção à São Luiz Gonzaga, promovendo rezas e festas populares. Já Malaquias, dono de um depósito de material de construção, doou parte do terreno do seu empreendimento logístico para a abertura de uma rua, de forma que a procissão de São Luiz Gonzaga pudesse ser realizada no entorno da igreja de mesmo nome, durante as festividades ligadas ao padroeiro.
Em 1999, a devoção a São Luiz Gonzaga alcançou o auge no bairro Industrial Americano, com a criação de uma praça na Avenida Salto Grande, no adro da igreja, que pela Lei Nº 2.135, de 24 de novembro daquele ano, que passou a se chamar Praça São Luiz Gonzaga. Também, a Lei Nº 3.805, de 28 de março de 2017, nomeia o mesmo espaço público como Praça São Luiz Gonzaga.
A imagem de São Luiz Gonzaga doada pela Igreja Matriz de Santa Luzia a sua nova capela filial, juntamente com um busto de São Tarcísio, hoje, perdido, foi reformada durante a festa do padroeiro, em 2009, tendo sido lixada e a sua policromia e encarnação refeitas. A partir da imagem original, foram criadas três réplicas.
Já o conjunto da mesa do sacrifício e do sacrário, ambos em madeira envernizada, foi doado pela Igreja do Senhor Bom Jesus, quando da sua ampliação para o prédio atual, na década de 1990. O sacrário em referência foi doado posteriormente para a Igreja de São Sebastião, no bairro Adeodato, na década de 2010, por ocasião da sua consagração. A mesa do sacrifício, deteriorou-se com o passar do tempo e foi descartada.
Durante a década de 1990, as missas na capela de São Luiz Gonzaga eram celebradas às 20 horas do segundo e quarto domingos do mês, bem como na primeira e terceira quintas feiras do mês. Já nos anos 2000, as missas foram transferidas para os sábados, às 19 horas.
Finalmente, em meados da década de 2010, as missas passaram a ser celebradas aos domingos, às 7 horas da manhã. Há princípio, as missas dispunham do talento musical de três pessoas do bairro, a saber, José Augusto, prestigiado tocador de violão e telheiro, João Caldeira, sanfoneiro e José Adolfo, pandeireiro.
É importante destacar, que o conhecido Hino à São Luiz Gonzaga, cantado na igreja do Industrial Americano – “Viemos celebrar a festa, do povo com alegria… São Luiz Gonzaga, o santo padroeiro, viva Luiz Gonzaga…” – foi criado por José Augusto e o seu filho Carlos Zeferino, para a festa de 2009, parodiando uma música de congado dedicada a São Benedito. Posteriormente, vários outros músicos e cantadores do bairro passaram a contribuir para a celebração das missas.
Em 2002, com a criação da Paróquia Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida pelo cardeal arcebispo de Belo Horizonte, Dom Serafim Fernandes de Araújo, a Igreja de São Luiz Gonzaga do Industrial Americano foi desligada da Paróquia Santa Luzia e integrada ao novo território paroquial, ao qual faz parte até a atualidade.
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