Paixão e Fé – Espaços Sagrados

Paixão e Fé – Espaços Sagrados
Mosteiro de Macaúbas, construção tricentenária às margens do Rio das Velhas. Foto: Reprodução/Internet

Gustavo Werneck

Estado de Minas

Aos pés da cruz, um grupo de fiéis reza na manhã ensolarada do primeiro domingo da quaresma. Homens e mulheres, entre adultos e adolescentes, pedem a Deus proteção, ajuda, paz, saúde e momentos de reflexão no período que culmina com a Semana Santa. Em seguida, todos entram na capela do Mosteiro de Macaúbas, a poucos metros de distância, construção tricentenária às margens do Rio das Velhas, na zona rural de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

O cruzeiro fica para trás, é hora da missa dominical das 10h30, e Ângela Maria Silvestre Borges, coordenadora do Coral Imaculada Conceição que completa 50 anos, está pronta para soltar a voz nos cânticos. Ao lado da filha Jussara Borges e do genro Diego Gonçalves Januário, ela diz que, pioneira, começou no coral aos 12 anos. “Macaúbas é um território sagrado, lugar de muita oração. Aqui, a gente sente a presença de Deus”, deixa o coração falar e traduzir o espaço.

Fora da capela, um homem com um cachorro chega perto do cruzeiro. No “madeiro”, como se chama a estrutura em que Jesus foi crucificado, estão representados os martírios – a coroa de espinhos, os cravos que prenderam mãos e pés, a lança, o açoite e outros instrumentos de flagelação e símbolos da Paixão de Cristo. “O jardim externo do mosteiro nos traz tranquilidade. Mesmo representando o sofrimento de Jesus, a cruz é a marca da Igreja, representação da fé católica.”

Segundo o reitor do Santuário Arquidiocesano Santa Luzia, padre Felipe Lemos de Queirós, os cruzeiros são tradição no interior mineiro. “Na cidade, há outros, e este de Macaúbas dos mais completos”, informa o reitor e pároco, explicando o significado das peças em madeira. Em Santa Luzia e outros municípios, começa hoje (6) e irá até sábado (12) o Setenário das Dores Maria Santíssima, seguindo-se as cerimônias da Semana Santa (veja programação).

Na sexta-feira (4), em conversa com a equipe do Estado de Minas, a irmã Maria Imaculada de Jesus Hóstia – de “86 anos e meio”, observa, com bom humor –, e muito feliz por completar, em julho, sete décadas no Mosteiro Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas, destacou a sacralidade da construção de 1714, fundada pelo eremita alagoano Félix da Costa. Inicialmente, Macaúbas funcionou como recolhimento, depois colégio feminino, e desde 1933 é a casa das irmãs concepcionistas, que vivem em clausura “Muitas graças e bênçãos foram alcançadas aqui, e ocorrem milagres. Que Deus nos conceda outros, com a fé em Nossa Senhora“, ressalta a irmã Maria Imaculada.

As palavras da religiosa ecoam e voltam no tempo, exatamente ao primeiro domingo da quaresma, durante a missa celebrada pelo padre Geraldo Guilherme da Silva, pároco emérito da Paróquia Santos Anjos da Guarda, no Bairro Caiçara, em BH, e capelão da Polícia Civil. “Foi um momento muito bonito. É bom que as pessoas saibam, para não parecer algo do passado”, contou o sacerdote sobre o relato de uma senhora que completava 88 anos, naquela data, e disse estar enxergando novamente.

Na companhia da filha, ambas integrantes de um grupo numeroso que foi a Macaúbas para retiro quaresmal, com pregação do padre Geraldo Guilherme, a octogenária quase não pôde ir. Ela não enxergava de um olho, e semanas antes, sofreu um derrame no outro, ficando completamente cega. Diante das condições oferecidas pelos organizadores da excursão, incluindo cadeira de rodas, ela aceitou ir a Macaúbas, distante 15 quilômetros do Centro de Santa Luzia.

Em determinado momento da missa, quando passaram com uma imagem e uma cruz diante da senhora de 88 anos, ela começou a falar alto: “Gente! Estou enxergando! Não estou mentindo Estou enxergando!” As palavras são lembradas pelo padre Geraldo Guilherme, certo de que “ela recebeu uma graça”.

O sacerdote revelou que, durante o retiro quaresmal, um homem contou ter conhecido a irmã Maria da Glória (1903-1986), religiosa do mosteiro considerada milagrosa. Disse o homem: “Estávamos eu e um amigo militar. Quando entramos no quarto em que a irmã recebia visitas, vimos que ela ‘flutuava’. Estava um metro acima da cama”.

RELIGIOSA PEDE A BEATIFICAÇÃO DA IRMÃ MARIA DA GLÓRIA

O nome da irmã Maria da Glória traz ainda mais alegria ao Mosteiro de Macaúbas, que tem à frente a madre Ana Elisa Faria das Chagas. Ao lado da irmã Marisa de Fátima Costa, a irmã Maria Imaculada de Jesus Hóstia só tem palavras de respeito, admiração e afeto ao se referir à falecida religiosa da Ordem da Imaculada Conceição a quem são atribuídos milagres. “Queremos que seja aberto o processo de beatificação da irmã Maria da Glória…que seja beatificada”, afirma.

Com um galho de rosas nas mãos, irmã Marisa diz que as flores são do túmulo da Irmã Maria da Glória. “No velório dela, em janeiro de 1986, muitas pessoas trouxeram vasos floridos. Após o sepultamento, no cemitério do mosteiro, a muda de um foi plantada e cresceu. E, assim, as flores ficaram conhecidas como ‘rosas da irmã Maria da Glória’.”

 Durante a epidemia, uma mulher esteve no mosteiro e levou um pequeno buquê para o hospital em Lagoa Santa (RMBH), no qual o marido estava internado. “O homem estava muito mal, intubado. A esposa colocou as ‘rosas da irmã Maria da Glória’ perto dele, e, não passou muito tempo, houve a melhora. Ficou bom”, revela irmã Marisa.

Conforme pesquisa da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, irmã Maria da Glória do Coração Eucarístico nasceu no distrito de Cachoeira do Campo, em Ouro Preto, em 1903, e foi batizada Maria Gomes de Oliveira. Chegou a Macaúbas ainda no tempo do Recolhimento, em 8 de outubro de 1926, fazendo, oito anos depois, os votos de profissão religiosa na Ordem da Imaculada Conceição, implantada no local no ano anterior.

Na década de 1940, a monja foi internada em hospital da capital para tratamento, sendo, na ocasião,  “desenganada” pelos médicos. Retornanou ao mosteiro, atravessou mais de quatro décadas acamada, desafiando os prognósticos dos especialistas. Em 1962, deu seu depoimento a uma comissão de religiosos que conduziam o processo de beatificação do Padre Eustáquio (1890-1943), hoje Beato Padre Eustáquio e a caminho da canonização. Conforme a pesquisa, há diversos relatos atribuindo a irmã Maria da Glória “a intercessão junto a Deus em situações de dúvida, descrença e perigo”. Dessa forma, “as virtudes da fé, obediência e caridade estiveram impressas na vida da Irmã Maria da Glória, falecida em 21 de janeiro de 1986.”

irmã Germana Maria da Purificação

Na história do Mosteiro de Macaúbas, outro nome se pronuncia em tom de reverência sagrada: o da irmã Germana Maria da Purificação, nascida em Morro Vermelho, em Caeté (RMBH), em 1782. Morou na Serra da Piedade, no mesmo município, e foi visitada m 1818 pelo cientista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), que publicou posteriormente informações sobre ela em um de seus diários de viagem.

Dos seus tempos no Mosteiro de Macaúbas, onde foi sepultada, ficaram histórias, conforme revela a irmã Marisa: “Durante o tríduo pascal, de Quinta-feira Santa ao Domingo da Páscoa, irmã Germana ficava em ‘estado de paixão’, em êxtase”. De geração a geração, passaram relatos de que, na Sexta-feira da Paixão, levitava. No mosteiro, é guardado em uma caixa o manto azul, do hábito das monjas, que pertenceu à irmã Germana. Foi enterrada com ele, e, quando houve, muitos anos depois, o traslado dos restos mortais do antigo local de sepultamento, onde hoje fica a capela, para o cemitério do mosteiro, o manto foi encontrado intacto. Irmã Maria Imaculada abre o tecido, o coloca sobre as costas e conta que muitas pessoas próximas do mosteiro, em busca de cura para o corpo e a alma, já pediram para ficar, por uns minutos, sob o “manto milagroso da irmã Germana”.

ÊXTASE ESPIRITUAL Em seu livro “Irmã Germana – A exilada de Macaúbas”, em segunda edição, o pesquisador Marcos Paulo de Souza Miranda mergulhou fundo na história da religiosa. No capítulo “Êxtase espiritual ou catalepsia?”, Souza Miranda escreveu: “Os registros esclarecem que quando se encontrava em retiro na Serra da Piedade, por volta de 1814, um dia lá meditando sobre os mistérios da Paixão de Cristo, Germana entrou em uma espécie de êxtase. Seus braços endureceram e estenderam-se em forma de cruz. Seus pés cruzaram-se igualmente e ela se manteve nessa atitude durante quarenta e oito horas. A partir de então, segundo Saint-Hilaire, Germana tomava essa atitude extática na noite de quinta para sexta-feira, conservando-se assim até a noite de sábado para domingo, sem fazer um movimento, sem proferir uma palavra, sem tomar qualquer alimento.”

E mais: “Consta que era mantida a posição de crucifixada, com os braços hirtos, os pés sobrepostos e a cabeça
inclinada ao lado esquerdo. Segundo as palavras do ilustrado francês: ‘Quando Germana se achava em seus êxtases periódicos, seus membros adquiriam tal rigidez que seria mais fácil quebrá-los que dobrá-los; mas se se pode acreditar no testemunho de seu confessor, por pouco que tocasse o braço ou a mão da doente ele lhes dava a posição que quisesse. O que é certo é que tendo o confessor de Germana lhe ordenado que comungasse em um dos seus dias de êxtase, ela se levantara num movimento convulso, do leito que havia sido levada à igreja; ajoelhada, mas com os braços sempre cruzados, ela recebeu a santa hóstia, e, desde essa ocasião sempre repetiu a comunhão
no meio de seus êxtases. Aliás, o diretor de Germana falava sempre com muita simplicidade do seu domínio sobre a pretensa santa; ele o atribuía à docilidade da enferma e seu respeito pelo caráter sacerdotal, acrescentando que
qualquer outro eclesiástico poderia conseguir os mesmos resultados. Esse homem dizia-me com aquela confiança que os magnetizados exigem de seus adeptos: a obediência dessa pobre moça é tal que se eu lhe ordenar que passe uma semana inteira sem se alimentar, ela não hesitará em atender-me, e nada sofrerá; mas, acrescentava,
receio ofender a Deus com uma experiência dessas.”

HISTÓRIA TRICENTENÁRIA DE CULTURA E DEVOÇÃO

Edificação de 11,5 mil metros quadrados pertencente à Ordem da Imaculada Conceição (OIC), fundada no século 15, na Espanha, por Santa Beatriz da Silva e Menezes, o Mosteiro de Macaúbas figura entre as mais importantes construções do período colonial brasileiro. É tombado pelos institutos do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) e pela Prefeitura de Santa Luzia. No dia a dia, as monjas cuidam da plantação, fazem vinho, participam de muitos ofícios religiosos e trabalham duro, acordando antes do nasceu do Sol.

Mais antigo do que a Capitania de Minas, quando se deu a organização política e administrativa deste gigantesco território (1720), e anterior à chegada do primeiro bispo às Gerais (1748), dom Frei Manoel da Cruz, o Mosteiro de Macaúbas tem sua história iniciada em 1714, pelas mãos do eremita Félix da Costa. Procedente da cidade de Penedo (AL) e navegando pelo Rio São Francisco, na companhia de irmãos e sobrinhos, ele demorou três anos para chegar a Santa Luzia, onde construiu uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, de quem era devoto.

Antes de chegar a Santa Luzia, bem no encontro das águas do Velho Chico com o Rio das Velhas, na Barra do Guaicuí, em Várzea da Palma, Região Norte do estado, ele teve a visão de um monge com hábito branco, escapulário, manto azul e chapéu caído nas costas. “Ele se viu ali. Foi o ponto de partida para a fundação do Recolhimento de Macaúbas”, conta a irmã Maria Imaculada.

Uma volta ao tempo leva a muitas descobertas.  No século 18, quando estava proibida a instalação de ordens religiosas nas regiões de mineração, por ordem da coroa portuguesa, para que o ouro e os diamantes não fossem desviados para a Igreja, havia apenas dois recolhimentos femininos em Minas: um em Macaúbas, outro em Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha. Conforme os estudos, tais espaços recebiam mulheres de várias origens, as quais podiam solicitar reclusão definitiva ou passageira.

Na época do recolhimento, Macaúbas recebeu figuras ilustres, como as filhas da escravizada alforriada Chica da Silva, que vivia com o contratador de diamantes João Fernandes. A casa na qual Chica se hospedava fica ao lado do convento, onde escreveu seu testamento. Como parte do pagamento do dote das filhas, Fernandes mandou construir, entre 1767 e 1768, a chamada Ala do Serro, com mirante e 10 celas (quartos para as religiosas). Em 1770, o mestre de campo Ignácio Correa Pamplona assinou contrato para construir a ala da direita da sacristia (Retiro), igualmente dividida em celas. A construção tem ainda as alas da Imaculada Conceição, Félix da Costa (a mais antiga) e a de Santa Beatriz, onde se encontra o noviciado do mosteiro.

Em 1847, o recolhimento passou a funcionar também como colégio, tornando-se um dos mais tradicionais de Minas. Essa situação durou até as primeiras décadas do século 20, quando a escola entrou em decadência, devido à chegada de congregações religiosas europeias com grande experiência na educação de meninas. O tempo passou até que, em 1933, a construção passou a abrigar o mosteiro da Ordem da Imaculada Conceição.

PROGRAMAÇÃO

Em Santa Luzia (RMBH)

Santuário Arquidiocesano Santa Luzia, no Centro Histórico

– Setenário das Dores Maria Santíssima, de 6 a 12 de abril. Às 18h30, Coroa das Dores, e às 19h30, Rito do Setenário

– Semana Santa, de 13 a 20 de abril – Missas solenes, procissões com imagens barrocos e figurados bíblicos e bênçãos. Cerimônias presididas pelo pároco e reitor do santuário, padre Felipe Lemos de Queirós, e o vigário paroquial, padre Matosinhos Oliveira.

– Setenário das Alegrias de Maria Santíssima, de 27 de abril a 2 de maio. Às 19h, Recitação da Coroa das Alegrias, e às 19h30, Missa e Rito do Setenário.

 


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